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segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Vacinação – um problema cultural!



Por Jacy Andrade  - Médica infectologista e professora Titular da Universidade Federal da Bahia, Membro do Comitê de Imunização da SBI

Na assistência à saúde deve ser rotina a abordagem do indivíduo, qualquer que seja a idade, em relação ao seu calendário vacinal. Crianças e adultos com calendário de vacinação atualizado têm mais chances de se proteger contra um grupo de doenças chamadas de imunopreveníveis.

Quando o indivíduo usa uma vacina, está diretamente se protegendo contra aquela doença para a qual se vacinou e, ao mesmo tempo, está protegendo outras pessoas que estão no seu entorno e que não estão protegidas para a doença contra a qual ele utilizou a vacina. Desta maneira, quanto mais pessoas estão imunizadas, mais chance se tem de uma proteção coletiva contra a doença. Nossas coberturas vacinais ainda são muito heterogêneas, refletindo muitos fatores, entre eles a grande extensão do nosso país e dificuldade de acesso em algumas áreas geográficas. No contexto desta heterogeneidade, muitos outros fatores estão envolvidos e a consequência prática que tivemos este ano foi traduzida pela ocorrência de casos de sarampo registrados no Nordeste, sobretudo em Pernambuco e Ceará. 

Bebê recebendo vacina contra sarampo na Etiópia. Fonte: WikiMedia Commons

Os dados de monitoramento rápido de coberturas vacinais (MRC) contra sarampo do Programa Nacional de Imunizações (PNI), divulgados na web (acesso em 12 de agosto de 2015), disponíveis para a região Nordeste, evidenciam que em 2014 foram registrados 832 motivos para não vacinar crianças abaixo de 5 anos de idade. Dentre eles, chama atenção: 17,3% por falta de tempo; 9,7% perda ou sem comprovante de vacinação; 5,5% não estava agendado; 3,9% falta de vacina; 3,7% dificuldade de acesso ao posto de vacinação; 3,1% várias injeções ao mesmo tempo; 2% recusa de vacina; 0,6% contraindicação médica; 0,6% posto fechado. Estes dados mostram que questões culturais, operacionais, logísticas e de formação profissional interferem em nossas coberturas, sendo multifatorial a responsabilidade da heterogeneidade de nossas coberturas vacinais. Levando em conta que o adulto, gerenciador da saúde da criança, neste caso, menores de 5 anos de idade, não encontra tempo para vacinar suas crianças, fica fácil entender que ele próprio não tem tempo e nem valoriza a vacinação em adultos. Além disso, mesmo entre os profissionais de saúde, quando se fala em vacinação, habitualmente se pensa na população infantil, porque culturalmente “vacinação é coisa de criança”. Portanto, orientar vacinação para adultos em geral não faz parte da abordagem rotineira da assistência à saúde nessa faixa etária. A maioria dos adultos não tem registro de vacinas em caderneta de vacinação. Isso acontece com as mulheres e também com os homens. E são os adultos que são responsáveis pela adesão ou não aos esquemas de vacinação das crianças.

Barack Obama sendo vacinado contra H1N1, em 2009. Fonte: WikiMedia Commons

Algumas situações envolvendo recusa de vacinas têm motivado a mídia divulgar notícias a respeito de diferentes legislações em diversos países sobre o assunto. Recentemente, em função da epidemia de sarampo que envolveu mais de cem casos nos Estados Unidos, o estado da Califórnia é palco de grande discussão sobre vacinação e direitos pessoais à recusa deste procedimento. No Brasil, apesar da legislação federal, decreto no 78.231, de 12 de agosto de 1976, falar em vacinação obrigatória e o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei federal no 8069 de 13 de julho de 1990 também se referir à obrigatoriedade de vacinação das crianças quando recomendado pelas autoridades sanitárias, na prática estas determinações não funcionam. Além disso, não temos nenhuma punição para os indivíduos que não seguem estas determinações. No livro “Recusa de vacinas: causas e consequências”, o Dr. Guido Levi faz uma abordagem bastante ampla do problema com revisão bibliográfica extensa e atualizada sobre o tema.

O profissional de saúde tem papel importante nas chamadas ‘falsas contraindicações’ às vacinas. Conceitos errôneos sobre o assunto, desconhecimento e crenças pessoais, na maioria das vezes, justificam esta postura. A imunização precisa ser mais divulgada no meio acadêmico para que os estudantes da área de saúde possam se familiarizar com a diversidade de indicações das vacinas e dessa forma beneficiar a população com medidas preventivas que sabidamente trazem resultados positivos. Vacinação não deve ser privilégio da criança: ela vai do recém-nascido ao idoso.

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