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quinta-feira, 28 de maio de 2015

Lectinas, especificidade e imunologia

Autor: Rômulo Farias Carneiro. Doutorando do Programa de Pós-graduação em Biotecnologia de Recursos Naturais/UFC-CE

Lectinas de Cucumaria echinata: CEL-I

Em 1994, Hatakeyama e colaboradores isolaram quatro lectinas do pepino do mar Cucumaria echina (CEL-I, II, III e IV). As quatro lectinas são dependentes de Ca2+ e reconhecem galactosídeos (galactose, N-acetil-galactosamina e lactose). De lá pra cá, Hatakeyma e seus colegas publicaram mais de cinquenta artigos sobre lectinas deste pepino do mar. Estes trabalhos incluem avaliação da especificidade das lectinas, estudos estruturais e atividades biológicas. Neste post discutiremos o curioso caso da lectina nomeada CEL-1 e como o entendimento desta molécula abre novas perspectivas para o desenho racional de proteínas através de engenharia genética, bem como nos mostra um pouco da importância das lectinas no sistema imune de animais considerados inferiores. Entretanto, ressaltamos que CEL-I é somente um coadjuvante dentre as demais lectinas deste animal. A verdadeira protagonista, CEL-III, talvez seja a lectina de origem marinha mais interessante e de maior potencial que se conhece. 

Visto que invertebrados não possuem sistema imune adaptativo, estas lectinas representam uma importante linha de defesa destes animais contra microrganismos patogênicos. Lectinas do tipo C parecem ser componentes importantes do sistema imune inato, atuando como proteínas de reconhecimento de padrões (Pattern recognition proteins - PRPs), ou seja, proteínas responsáveis por reconhecer padrões bioquímicos não próprios (Pathogen-associated molecular pattern - Padrões moleculares associados a patógenos - PAMPs). A capacidade de distinguir o "próprio" do "não próprio" é devido, claro, a especificidade da lectina pelos carboidratos de superfície do potencial invasor.

Lectinas do tipo C, em geral, reconhecem manose ou galactose. Durante muito tempo se acreditou que a especificidade destas proteínas é determinada por uma trinca de aminoácidos localizada no segundo sítio de ligação a Ca2+. Quando esta trinca de aminoácidos é composta por Glu, Pro e Asn (EPN) a lectina tende a ser ligante de manose. Por outro lado, quando a trinca em questão é Gln, Pro e Asp (QPD) a lectina tende a reconhecer preferencialmente galactose.

Voltando as lectinas de Cucumaria echinata, CEL-I apresenta em sua estrutura primária a trinca QPD, logo sua especificidade deveria ser por galactosídeos, e, de fato, é. Em especial, existe aqui uma alta afinidade por GalNac.

Através de ensaios de mutagênese sítio dirigida, a estrutura primária de CEL-I foi modificada: a trinca QPD foi substituída pela trinca EPN. A proteína mutante (EPN-CEL-I) mostrou ligeira afinidade para manose. Entretanto, EPN-CEL-I manteve alta afinidade por galactosídeos, indicando que a escolha entre galactose e manose não é atribuída somente à trinca de aminoácidos QPD ou EPN.

A estrutura tridimensional da lectina nativa complexada com galactose e da lectina mutante complexada com manose revela a diferença de orientação e, consequentemente, a diferença nas interações entre o carboidrato complexado e o aminoácido na posição 105 (Figura 01). Estas diferenças podem explicar em parte o porquê de uma lectina EPN, contendo H na posição 105, reconhecer manose e uma lectina QPD, contendo W na posição 105, reconhecer galactose. Contudo, não explica o fato de o mutante EPNH-CEL-I ainda apresentar alta afinidade por GalNAc.
O mais coerente parece ser que a manutenção da afinidade por GalNAc deva-se a presença de interações compensatórias, que até agora não estão totalmente esclarecidas.

O fato envolvendo CEL-I é que Hatakeyama e colaboradores parecem ter encontrado muito mais perguntas a responder agora depois de 20 anos de seu trabalho pioneiro. O trabalho deste grupo japonês é notável e suas contribuições para entendimento da relação estrutura/função de lectinas de invertebrados são imensas. A especificidade de CEL-I pode agora ser arquitetada por mutagênese de diferentes aminoácidos e o efeito destas mutações deve ser observado.

Ao longo da evolução dos invertebrados as lectinas do tipo C parecem mesmo ter sido de extrema importância para a manutenção da defesa biológica destes animais. A versatilidade destas lectinas ao reconhecer diferentes ligantes foi, e ainda é muito importante na ausência de um sistema imune adaptativo. Esta versatilidade poderá em um futuro breve ser explorada no desenvolvimento de novas proteínas, através de engenharia genética, para o reconhecimento de quaisquer carboidratos.


Figura 01. Comparação do sítio de reconhecimento a carboidrato de CEL-I nativa(A) e EPNH-CEL-I(B) mutante.



Referências:
HATAKEYAMA, T. et al. Purification and characterization of four Ca(2+)-dependent lectins from the marine invertebrate, Cucumaria echinata. Journal of Biochemistry, v. 116, n. 1, p. 209-214, jul. 1994.
MORIUCHI, H. et al., Mannose-recognition mutant of the galactose/N-Acetylgalactosamine-specific C-type lectin CEL-I engineered by site-directed mutagenesis. BBA, v.1850(7), p.1457-1465.
HATAKEYAMA, T. et al. Alteration of the Carbohydrate-Binding Specificity of a C-type Lectin CEL-I Mutant with an EPN Carbohydrate-Binding Motif, Protein Pept Lett, v.20, p.796-801.
SUGAWARA, H. Characteristic recognition of N-acetylgalactosamine by an invertebrate C-type Lectin, CEL-I, revealed by X-ray crystallographic analysis., J Biol Chem, v.279, p.45219-45225, 2004.
ZELENSKY, A.N.; GREADY, J.E. The C-type lectin-like superfamily. FEBS Journal, v.272, p.6179-61217, 2005.

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