BLOG DA SOCIEDADE
BRASILEIRA DE IMUNOLOGIA
Acompanhe-nos:

Translate

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Imunidade

140203 - Imunidade
A imunidade é compreendida como uma forma de defesa do corpo. Repetidamente, esta crença legitima o treinamento de gerações de imunologistas e é aclamada pela midia. Contudo, nenhum organismo vive imerso em um mundo agressivo de micróbios e vírus. Descrições recentes da abundância, ubiquidade e diversidade do mundo microbiano sobre as superfícies de nosso corpo (Grice et al., 2009), assim como a participação de genes virais no genoma de mamíferos (Sin et al., 2011) sugerem uma realidade muito mais simbiótica (Gilbert, Sapp and Tauber, 2012). As exposições mais frequentes e maciças do organismo a materiais antigênicos derivam dos alimentos (Faria & Weiner, 2005; Pabst et al., 2012) e da microbiota comensal (Palmer et al., 2007) que vive na pele e nos intestinos. Estas exposições não resultam em respostas imunes progressivas, como resultariam se fossem movidas por uma memória imunológica, como se acredita ocorrer nas vacinações anti-infecciosas, para explicar sua eficácia. A tolerância imunológica, vista como uma forma de não-reatividade, também é inadequada para explicar o convívio com estas grandes exposições naturais a antígenos; o intestino abriga uma alta frequência de linfócitos ativados em interação com estes materiais (Vaz et al., 1996; Pordeus et al., 2009). A ideia de “tolerância natural” foi incluída na teoria de seleção clonal (Burnet, 1959) para explicar a coexistência de linfócitos e componentes do próprio organismo, mas a abundância de imunoglobulinas naturais (Coutinho, Kazatchkine and Avrameas, 1995) e linfócitos T ativados (Pereira et al., 1986) que reagem entre si e com o corpo, contradizem esta ideia. Até mesmo a assimilação de transplantes alogênicos, aquilo que comprovou experimentalmente a ideia de tolerância (Billingham, Brent & Medawar, 1953), não resulta da destruição de clones de linfócitos reativos ao transplante (Bandeira et al., 1989; Castro-Junior et al., 2012). Além disso, a auto-reatividade é uma consequência inescapável da poli-especificidade (degeneração) dos receptores linfocitários (Wucherpfennig et al., 2007; Wooldridge et al., 2001). Perfis (padrões) de reatividade de imunoglobulinas naturais são robustamente conservados ao longo do viver saudável de camundongos e humanos (Lacroix-Desmazes et al., 1995; Mouthon et al., 1995) e podem mesmo se regenerar (Nóbrega et al., 2002) a despeito da contínua troca dos linfócitos responsáveis por sua formação. A imunidade, como uma ideia-mãe, precisa agora ser modificada.
Nelson Vaz  <nvaz@icb.ufmg.br>
Belo Horizonte, fevereiro de 2014.

Bibliografia
Bandeira, A., A. Coutinho, et al. (1989). "Transplantation tolerance correlates with high levels of T and B      lymphocyte activity." Proc.Natl.Acad.Sci. 86: 272-276.
Billingham, R. E., L. Brent, et al. (1953). "Actively acquired tolerance of foreign cells."
                  Nature 172: 603-606.
Burnet, M. F. (1959). The Clonal Selection Theory of Immunity.
                  Nashville,TE, The Vanderbilt and Cambridge Univ.Press.                  
Castro-Junior, A. B., B. C. Horta, et al. (2012). "Oral Tolerance correlates with high levels of lymphocyte activity."      Cellular Immunology 280: 171-181.
Coutinho, A., M. D. Kazatchkine, et al. (1995). "Natural autoantibodies."
                  Curr Opin Immunol 7(6): 812-818.
Faria, A. M. C. and H. L. Weiner (2005). "Oral tolerance."
                  Immunological Reviews 206: 232–259.
Gilbert, S. F., J. Sapp & A.E. Tauber (2012). "A Symbiotic View of Life: We Have Never Been Individuals." Quarterly Review of Biology 87: 4.
Grice, E. A., H. H. Kong, et al. (2009). "Topographical and Temporal Diversity of the Human Skin     Microbiome." Science 234: 1190-1192.
Lacroix-Desmazes, S., L. Mouthon, et al. (1995). "Analysis of the human natural IgG antibody repertoire:     life-long stability of reactivities toward self-antigens contrasts with age-dependent diversification             of reactivities against bacterial antigens." Eur.J.Immunol. 25: 2598-2564.
Mouthon, L., A. Nóbrega, et al. (1995). "Invariance and restriction toward a limited set of self-antigens            characterize neonatal IgM antibody repertoires and prevail in autoreactive reperoire of healthy                  adults." Proc. Natl. Acad. Sci. USA 92: 3839-3843.
Nobrega, A., B. Stransky, et al. (2002). "Regeneration of natural antibody repertoire after massive                    ablation of lymphoid system: robust selection mechanisms preserve antigen binding specificities."
                   J Immunol 169(6): 2971-2978.
Pabst, O. and A. M. Mowat (2012). "Oral tolerance to food protein."
                  Mucosal Immunology 5(3): 232-239.
Palmer, C., E. M. Bik, et al. (2007). "Development of the human infant intestinal microbiota."
                  PLoS Biol 5(7): e177.
Pereira, P., L. Forni, et al. (1986). "Autonomous activation of B and T lymphocytes in antigen-free                    mice."    Eur.J.Immunol. 16: 685-688.       
Pordeus, V., G. C. Ramos, et al. (2009). "Immunopathology and oligoclonal T cell expansions.Observations in           immunodeficiency, infections, allergy and autoimmune diseases." Current Trends in Immunology 10: 21-                 29           
Sin, H. S., E. Koh, et al. (2011). "Human endogenous retrovirus K14C drove genomic diversification of the                 Y chromosome during primate evolution." J Hum Genet 55(11): 717-725.
Vaz, N. M., A. M. C. Faria, et al. (1997). "Immaturity, ageing and oral tolerance."
                  Scand. J. Immunol. 46: 225-229.
Wooldridge, L., J. Ekeruche-Makinde, et al. (2011). " A single autoimmune T-cell receptor recognizes over                  a million different peptides." Journal of Biological Chemistry 287(2): 1168-1177.

Wucherpfennig, K. W., P. M. Allen, et al. (2007). "Polyspecificity of T cell and B cell receptor recognition." Semin Immunol 19(4): 216-224.

Comente com o Facebook :

Nenhum comentário:

Postar um comentário

©SBI Sociedade Brasileira de Imunologia. Desenvolvido por: